Autor: JOSÉ RAIMUNDO B. TRINDADE (Prof. UFPA e Presidente do IDESP)
Em 1962 Celso Furtado lançava o livro “A pré-revolução brasileira”, um dos textos mais instigantes do autor de “A Formação Econômica do Brasil”, sendo mais uma peça discursiva e, claramente, um texto para embate político, sem deixar de ser, como outros diversos trabalhos de Furtado, uma importante fonte de análise e construção crítica da economia e da sociedade brasileira.
Naquele trabalho tínhamos coadunado um conjunto de elementos que marcam a construção de uma visão critica sobre o desenvolvimento nacional. Furtado já ressaltava a defesa da ação do Estado como promotor do desenvolvimento e a adoção de planejamento econômico como obrigatório para países como Brasil, onde não bastaria preservar a estabilidade do sistema, sendo necessário a ação estatal inclusive no estímulo a atividade empresarial privada, à reorientação de investimentos, a aceleração da acumulação de capital e a redução de riscos. Nota o autor, ainda, que para se alcançar os objetivos democráticos, o planejamento seria fator indispensável, ao lado da necessária coordenação das diversas políticas econômicas encetadas e das ações dos diversos ministérios e órgãos governamentais.
Nas últimas décadas as relações fiscais federativas se deterioram visivelmente, agravadas pelos seguintes aspectos: a) baixa taxa de crescimento econômico e inexistência de políticas de planejamento do desenvolvimento econômico nacionais; b) estímulo à disputa predatória entre os estados federativos com base na renúncia fiscal; c) incapacidade de negociação de novo ordenamento jurídico tributário entre os entes nacionais e sub-nacionais; d) decorrente do aspecto anterior: fragmentação do sistema tributário e a implementação de legislação complementar que enfraqueceu ainda mais as bases federativas, cujo exemplo mais proeminente e de grandes repercussões para o Estado do Pará foi a Lei Kandir (Lei Complementar 87/96).
Os dois mandatos de FHC apresentaram taxas mínimas de crescimento econômico, um pouco acima de 2%, e o primeiro mandato de Lula também não conseguiu sustentar taxas mais representativas de crescimento atingindo uma média de 2,5%, porém, realizou um forte processo de distribuição de renda através do crescimento da massa salarial, inovações nos instrumentos de créditos, bolsa família e o crescimento dos empregos. Nos últimos quatro anos, a despeito da crise vivida em 2009, tivemos uma importante retomada da percepção desenvolvimentista, entendida como a necessidade de construir a “nação brasileira”, esforço coordenado em torno de dois elementos centrais apontados por Furtado:
i) ações globais de estruturação da logística produtiva nacional, compreendendo investimentos que superem as barreiras colocadas em torno do chamado “custo Brasil”, especificamente os referentes a transporte portuário, envidados nos recursos disponibilizados no PAC para modernização e reestruturação dos portos brasileiros e investimentos voltados ao sistema energético nacional, especialmente retomando, após vinte anos, o planejamento da matriz nacional e destravando obras que afastam possíveis riscos de abastecimento energético frente a maiores taxas de crescimento econômico;
ii) a retomada dos organismos de fomento ao desenvolvimento, em particular o papel de estímulo ao crédito ao investimento desempenhado pelo BNDES, inclusive funcionando anti - ciclicamente tal como operado na última crise internacional, e, principalmente, as ações encetadas pelas agências e bancos regionais, como SUDAM/SUDENE e BASA/BNE.
A retomada da agenda de desenvolvimento necessita, porém, da reposição de temas que são historicamente caros ao pensamento esposado por Furtado e outros desenvolvimentistas brasileiros. Em artigo de 2001 Furtado observava que “a ninguém escapa que nossa industrialização tardia foi conduzida no quadro de um desenvolvimento imitativo, que reforçou tendências atávicas de nossa sociedade ao elitismo e à exclusão social” (2001:420). A agenda de desenvolvimento nacional passa obrigatoriamente pelo pensar e agir sobre quatro aspectos centrais:
i) Avançar na qualidade educacional e na crescente inclusão tecnológica de nossa população. A correta estruturação do Fundef, depois Fundeb, possibilitou paulatina universalização do ensino fundamental e básico, porém ainda não rompemos a barreira da qualidade ofertada no nosso sistema educacional. Nos últimos três anos os esforços de políticas educacional federal e estadual têm caminhado nessa direção, seja reforçando o componente educacional tecnológico, seja desenvolvendo políticas de manutenção do estudante na sala de aula através de estímulo como o programa bolsa família. Aprofundar essas políticas, definindo metas a serem alcançadas via indicadores objetivamente construídos e em conformidade com as condições regionais é o caminho a ser seguido;
ii) O segundo elemento a ser perseguido refere-se a construção de uma política nacional de desenvolvimento regional. Não nos referimos a atual fragmentação das políticas de incentivo fiscal ou o papel cumprido pelas agências e bancos de desenvolvimento, algo pouco sincronizado e que não possibilita a ruptura com as condições de concentração econômica regional.
Nesse sentido, Furtado já apontava a questão regional enquanto um outro grave problema que teria que ser resolvido por políticas de desenvolvimento globais e coordenadas. Ele via o secular problema nordestino a partir dos seguintes aspectos chaves:
i) a estrutura fundiária e agrária, baseada na exploração da monocultura do açúcar nas terras melhor agriculturáveis;
ii) a transferência de renda do nordeste para o centro-sul, um mecanismo interno de deterioração dos termos de intercâmbio;
iii) o desemprego urbano;
iv) a subutilização da terra nas regiões mais úmidas e a inadaptação ao meio nas zonas semi-áridas [ausência de busca de alternativas tecnológicas e ecológicas];
v) a não internalização dos capitais privados e sua recorrente migração para o centro-sul.
A defesa de uma política de desenvolvimento que ataque nas diferentes frentes era o que se impunha. Algo que não se mostra diferente hoje. Nesse sentido dever-se-á coordenar as ações de investimento público e privado, de forma contínua e tecnicamente autônoma, sem ser independente em termos de sua dimensão social. A inspiração no Fundo de Desenvolvimento Europeu talvez seja, neste caso, o melhor caminho. Na última proposta de Reforma Tributária, sob relatoria do Deputado Sandro Mabel, teve-se neste ponto interessante avanço com a proposição de instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). O FNDR corrigiria parcialmente a ausência nas últimas décadas de mecanismo nacional de estímulo ao desenvolvimento da nossa região, corraborando no processo de “subir a escada”, equacionando os desequilíbrios federativos, onde alguns poucos estados detêm o poder econômico absoluto e outros a pobreza absoluta. O nosso Estado, em particular, em função de suas características, rico em recursos naturais (minerais, florestais e hídricos) e grande população, teria toda capacidade de absorver os recursos destinados ao desenvolvimento de sua infra-estrutura e vantagens comparativas para atrais novos empreendimentos, oferecendo recursos provenientes deste Fundo Nacional a empresas que aqui se instalassem.
iii) Um terceiro componente, porém de grande importância e maior dificuldade ainda, diz respeito a construção de um novo arranjo fiscal federativo, o que pressupõe a realização de uma ampla reforma tributária. Nos últimos vinte anos diversas propostas têm sido debatidas, porém com pouca frutificação no Congresso Nacional, como ensina Richard Musgrave qualquer reforma fiscal necessariamente é processual, dificilmente sendo possível realizar modificações significativas no sistema tributário de forma tempestiva. Porém, os sistemas tributários e fiscais envelhecem nas sociedades capitalistas rapidamente, requerendo mudanças e adaptações de tempo em tempo. Necessitamos, para corrigir os problemas federativos, como acima exposto, e definir uma capacidade de crescimento econômico superior a atual, realizar uma ampla reforma tributária, que incida não somente sobre o ICMS, como também busque redefinir os tributos federais, sem esquecer de propor novas bases para as transferências fiscais.
iv) Por último, porém elemento sempre difícil de ser debatido e mais ainda efetivado diz respeito a questão agrária. Furtado defendia uma “reorganização agrária” enquanto reforma julgada central, possibilitando a reorganização da economia agrária em bases racionais, que vencesse, ao mesmo tempo, a concentração fundiária, mas que sobretudo, possibilitasse o aumento da oferta de bens agrícolas para uma população crescentemente urbana. As tensões estruturais da economia brasileira decorreriam, em grande parte, da limitada capacidade de resposta do setor agrário aos (...) mecanismos de preços. Passados quatro décadas desde a “A pré-revolução brasileira”, a necessidade de reorganização da estrutura agrária brasileira se mantém, seja como componente econômico, hoje muito mais voltado a necessidade de opções de políticas de emprego, desconcentração urbana e, ainda, como mecanismo de preços, seja como fator central para construção de uma sociedade efetivamente democrática.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
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